quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Escovas de dentes.

Não, as escovas de dentes não são anormais nem diferentes... Aqui você encontra as mesmas escovas, do mesmo jeitinho e até das mesmas marcas "indicadas pelos dentistas" que podem ser adquiridas no Brasil. Só que na loja em que eu trabalhava, percebi a grande saída das escovas de dentes elétricas, que custam às vezes 50 vezes o preço de uma escova normal. E o mais interessante: quem comprava não eram pessoas com limitação física de movimentos, o que pra mim justificaria um gasto tão grande em prol da autonomia, mas pessoas com movimentos totalmente normais.
Então um belo dia eu faço o comentário imbecil a um colega de trabalho: nunca pensei que existisse tanta gente preguiçosa pra usar escovas de dentes elétricas em vez de escovas normais. Pois bem, o colega, que na verdade era meu chefe, me perguntou quanto tempo eu gasto escovando os dentes. Respondi que faço por cerca de 5 minutos. Ele se surpreendeu, e então me explicou que ele tem uma escova de dentes elétrica com timer, e que a mesma foi recomendada pelo dentista. Então quem se surpreendeu fui eu. Pra que diabos serve uma escova de dentes com timer, e por que cargas d'água um dentista recomendaria isso a um paciente? A resposta: Os dentistas recomendam que as pessoas escovem os dentes por pelo menos 2 minutos, e como a maioria dos americanos não fazem, então os dentistas recomendam as escovas elétricas que ficam ligadas por esse período, para que a higiene bucal seja adequada.
Mais uma consequência da pressa. Ainda consigo entender por que eles correm tanto, quando cozinham usam coisas semi-prontas, não perdem tempo em filas, etc. e ainda assim, nunca tem tempo pra nada. Vai ver o problema está nas escovas de dentes... Devem estar desreguladas e aí eles ficam tempo demais escovando o sorriso.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Placas de carro.

Uma coisa que eu admiro nos americanos, é a criatividade e a possibilidade de fazer dinheiro com as coisas mais diferentes, e menos imagináveis.
Uma das coisas que eu faço pra matar o tempo quando estou dirigindo é ler as placas dos automóveis. Não que as placas sejam tão divertidas aqui quanto as de caminhão no Brasil. Não são. Mas aqui tem gente que demonstra status não só pelo tipo de carro, mas pela placa também.
Tem placa de aposentado, de componente das forças armadas, de estudante da universidade tal, de grupo disso e daquilo. E pra comprar uma placa dessas você tem que provar no departamento de veículos que faz parte desses grupos.
Fora isso, ainda tem o status de quem tem dinheiro pra pagar as placas personalizadas, sabe aqueles filmes que no fim a pessoa sai com uma plaquinha sem número, só com um nome? Pois é... é caro, mas tem gente que paga. Outro dia tinha um carro na minha frente cuja placa era "THE" e só... Nossa! Nem conheci o dono, mas já sei que é pretencioso.
Já vi também placas com apelidos, mas nada muito fora do normal. Na verdade acho que prefiro as boas e velhas placas de caminhoneiros do Brasil. Pelo menos com elas eu ria.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

"Trash of one, treasure of other".

Isso é um ditado aqui é algo mais ou menos assim "o lixo de um, o tesouro de outro" que não é linguagem figurativa, é literal mesmo.
Aqui não existe a profissão de catador de lixo, que eu acho mereciam ser chamados de agentes ecológicos. O trabalho dessas pessoas que ajudam a diminuir a poluição no Brasil, aqui é substituído por coleta de lixo seletiva e realização de composto. O composto é a trituração e envelhecimento de lixo orgânico para ser usado como adubo. Aquele triturador que existe nas pias americanas vão parar em um depósito externo com essa finalidade. Lá ele fica até estar pronto pra ser usado como adubo. O lado bom é que cria-se menos lixo. O lado ruim é que isso atrai bichos. Semana passada o lixo de uns atraiu um urso preto e um leão da montanha para a cidade, que chegaram a assustar crianças de manhã cedo à caminho da escola, e o jornal local está recomendando as pessoas a não produzir mais o tesouro animal.
Os animais não são os únicos que acham tesouros no lixo. Vocês já devem ter ouvindo umas histórias de que "fulano morou nos EUA e achou um sofá ou um som novinho no lixo", e achado a história com a maior cara de mentira. Podem assumir, eu também achava que era mentira, mas sinto desapontá-los, é tudo verdade.
Eu moro em um condomínio universitário. Residência de pessoas que vem de todos os lugares do mundo. Essas pessoas chegam aqui, montam casa, estudam um tempo, e quando vão embora vendem o que conseguem e o que não conseguem colocam no vulgo "quem me quer". O "quem me quer" é uma área reservada no condomínio a objetos cujos donos não querem mais manter, mas que ainda estão em boas condições de uso, é uma área de doação impessoal. Quem não quer deixa, quem quer pega. Essa área se resume a uma mesa na lavanderia (que aqui é um espaço comunitário com máquinas de lavar e secar roupa que funcionam com moedinhas). Entre as minhas doações já foi uma TV de 20 polegadas, um ventilador e roupas, além de outras coisas que não me lembro agora. Vocês devem estar pensando: tava tudo quebrado... Não estava. A TV era a mais moderna na época da TV preto e branco... por que era colorida. Tinha até controle remoto, mas este só era capaz de ligar e acionar um mesmo canal, dentro dos 99 disponíveis. . Meu marido a adquiriu de uma vizinha que tinha comprado uma nova. Ela perguntou se ele queria, e ele por não ter entendido a pergunta respondeu "sim" automaticamente e por falta de coragem de assumir que não a havia entendido, ele subiu ao nosso apartamento sozinho de escadas com aquele trambolho.
Bem, pra mim era um trambolho por que já tínhamos TV e não havia lugar para aquilo no nosso lar, depois que a vizinha se mudou descemos o tesouro alheio para a lavanderia. Subimos para buscar roupas a serem lavadas e quando descemos a TV já tinha um novo dono.
Entre os tesouros adquiridos estão um birô (melhor do que o que compramos anteriormente), um rádio, um jogo completo de uma edição especial de Banco Imobiliário e um sofá super confortável, entre outras coisas menores. O birô chegamos a ver o dono antigo. Era de uma família que estava de mudança, saindo do prédio. O móvel havia sido colocado do lado do depósito comunitário de lixo, pois claro que um birô não cabia em cima de uma mesa... A ex-dona ficou toda feliz que estávamos recolhendo seu antigo birô e mandou os carregadores da mudança dela subirem o móvel para o nosso apartamento. Ela afirmou estar contente que alguém o estava usando, e que só o havia deixado por que não cabia no novo apartamento. Bem, isso aconteceu conosco também. Quando mudamos tivemos que repassar o nosso ex-tesouro para um novo dono.
Uma das coisas que causa esse hábito é que os móveis, eletrodomésticos e outros produtos aquisitivos aqui são relativamente baratos. Eu geralmente comparo as coisas com o preço de abacaxi. Pelo mesmo preço de 3 abacaxis eu mobiliei a minha varanda. Com móveis de plástico, mas mobiliei. Por outro lado, não existe oficina onde se possa consertar eletrodomésticos e móveis. Então é mais fácil simplesmente se desfazer e comprar outro. Isso acaba criando uma cultura do descartável, e tem gente que se comporta assim até com carro. Só que não dá o carro: vende barato.
Vou parando por aqui, vou fazer uma vizitinha no "quem me quer".

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

A chegada.

Hoje estou saudosista (ou seria masoquista?) relembrando como foi a minha chegada nesse país estrangeiro. Essa história os meus amigos daqui já estão cansados de escutar por que cada um que pergunta se foi difícil a mudança eu conto essa história.
O meu estresse começou no aeroporto de São Paulo. Depois de horas na fila pra fazer o check in (ô povinho competente pra criar fila esse brasileiro!) eu recebo os cupons de despacho de bagagem e guardo cuidadosamente com meu passaporte e outros documentos importantes. Eu já tinha levado um fora de um atendente todo engomadinho que estava todo dedos pros americanos que estavam na mesma fila que eu (nem o brasileiro dá valor a sua própria gente, é lasca!), e aguentado show de americana bêbada na fila (que foi rapidinho encaminhada pro começo da fila). Eu entro no avião e coloco as bagagens de mão no bagageiro, deixando comigo uma bolsa com aquilo que no momento era de suma importância: os documentos, os tickets dos vôos seguintes e os comprovantes da bagagem.
Após levantado vôo, vem aquela comidinha rala de avião, distribuídas pelas aeromoças mais assanhadas e mal humoradas que eu encontrei na minha vida inteira! Trabalhando no percurso Brasil-EUA elas só reconheciam a palavra "água" em português. E me deram o maior fora por que eu tentei cochilar com minhas pernas no corredor, uma vez que elas não cabiam direito no minúsculo espaço entre minha poltrona e a poltrona da frente. De manhã, ainda no mesmo avião vem aquele café da manhã maravilhoso pra americano e horrível pra brasileiro: salada de frutas enlatada, com um croissant sem recheio, e um suco de laranja industrializado (era o único suco que tinha uma cara normal pra mim) com gosto de "ontem". Esta foi a minha última refeição de avião durante essa viagem inteira, por que em avião americano não tem essas mordomias de lanchinho, e quando tem, você tem que ter o dinheirinho trocado pra pagar. Mas dei azar, nos aviões que eu peguei só tinha suco.
Chegando no último aeroporto (lá pelas tantas da tarde), eu fui buscar minhas malas. Tive que pegar um trem interno no aeroporto e passar por 3 estações pra chegar no lugar onde minhas malas deveriam descer. De posse dos meus pertences, eu pego meus preciosos comprovantes de bagagem e procuro o responsável por checá-los. Passei uma hora nessa busca. Com meu inglês "eu entendo todo mundo mas ninguém me entende" fui perguntando, até que num momento com um misto de estranheza, cansaço e fome eu começo a chorar alí mesmo, no meio do aeroporto. Daí veio o abraço de boas vindas (consolo) americano. Uma policial americana, se compadeceu de mim, me deu um "abraço de urso" e teve paciência de tentar me entender com meu meio curso de inglês, me explicou que eu não precisava mostrar papel a ninguém, que se as malas eram minhas eu podia simplesmente sair do aeroporto.
Daí veio a minha primeira refeição na américa: um suco de uva com sabor super estranho e uma pizza com erva-doce em cima. Comi por que estava com fome, mas aquilo era literalmente uma gororoba! E eu ainda paguei quase $10 por ela.
Com o estômago forrado, eu fui em busca de um transporte para a cidade onde iria morar. Isso por que eu desci na capital do estado, mas minha moradia é no interior. Daí eu peguei um shuttle, um serviço bem legal, que lhe pega no aeroporto, e lhe deixa na porta do seu destino, como se fosse um táxi, só que mais barato, por que ele pega várias pessoas que vão para o mesmo destino (cidade) como se fosse um ônibus.
Foi assim que eu cheguei... já de noitinha.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Privacidade ainda existe?

Outro dia eu estava vendo um comercial bem interessante na TV. Se tratava de uma adolescente em um passeio comum no shopping com um grupo de amigas. Durante seu trajeto, diversas pessoas aparentemente desconhecidas à cumprimentavam pelo nome e faziam perguntas e comentários bem íntimos, coisas do tipo: "você é até bem bonita pra ter tido sua primeira vez agora" ou "qual era a cor da cueca dele?". No fim do comercial um narrador dizia "quando você coloca algo na internet qualquer um pode ver". Achei não somente a idéia interessante, mas também educativa.
Na era dos reality shows, ver a vida alheia se desvencilhando nas telas acabou por se tornar uma coisa normal, não somente assistimos, mas nós mesmos decidimos nos expor, colocar nossas preferências, nossa imagem e até mesmo nossas intimidades a disponibilidade de milhares de seres desconhecidos. Qual o preço disso? A perda da privacidade.
No mundo de hoje, tem aqueles que procuram desesperadamente por privacidade. Já vi gente recusando fazer cartão de descontos em supermercado para não ter seu endereço nas mãos de desconhecidos, ou gente que paga pra não ter seu número de telefone descrito em listas telefônicas. Acabamos por viver um imenso Big Brother, onde para ter alguma privacidade algumas pessoas estão dispostas a pagar.
De outro lado temos os buscam incessantemente a perda desta mesma privacidade. Seja através de sites como orkut, multiply, blogs fotologs, etc. Seja através de programas de televisão que prometem algo mais do que simplesmente fama. E essas informações passam a estar disponíveis a todos que dela quiserem fazer uso, de simples e reles mortais como nós a empresas não muito éticas que passam a usar essas informações como forma de seleção entre possíveis novos funcionários.
Falando sobre os programas, todos estão mais do que acostumados a tomar conta da vida alheia através de programas como Big Brother e aqui existem versões diversas deste mesmo programa. Há duas que eu achei interessantes, uma delas reúne em uma casa um grupo de homens, os quais tem problemas de se relacionar com mulheres e um indivíduo "rei da mulherada" ensina esses homens a "pegar mulher". Após cada lição eles vão para uma aula prática, e o que se sai pior é eliminado do programa. Uma outra versão é do canal de design. Um grupo de designers é confinado para produzir um ambiente a cada etapa de uma competição. O que se sai pior é eliminado e no fim quem ficar ganha seu próprio programa no canal... Idéias interessantes, mas será mesmo que era necessário que essas pessoas ficassem confinadas em um ambiente sendo vigiados com câmeras 24 horas por dia?
Penso que estamos legitimando com nossas próprias ações a invasão da privacidade alheia, até o ponto em que nossa própria privacidade não mais existirá.

domingo, 9 de setembro de 2007

Futebol

Não sou lá muito fã de futebol, mas gostaria de saber qual é a mágica infalível que foi feita para deixar os homens tão hipnotizados para assistir quase duas horas de uma corrida de homens atrás de uma bola.
Há homens (e algumas mulheres) cujo humor depende do resultado do jogo do seu time, e por tabela, as esposas, noivas, namoradas, ficantes e afins, acabam por torcer pelo time do ser desejado para que a felicidade seja o sentimento imperante na relação. Isso é uma coisa que pra mim não faz muito sentido, mas depois de algum tempo observando o comportamento de algumas pessoas em frente a uma partida de futebol, eu tive algumas conclusões, que não tem a pretenção de serem nem generalistas nem acertadas:
Não importa quem seja, o treinador é sempre ruim, a menos que ele ganhe o torneio e deixe o time;
A pessoa mais educada do mundo fica com uma boca suuuuja durante uma partida do seu time;
A graça do jogo não está no resultado final apenas, mas em todo o processo que acompanha o jogo: bebidas, tiragostos, gritos, pulos, etc. E quanto maior a turma para assistir, mais divertido é o jogo;
A graça do resultado do jogo é tirar sarro dos amigos que estão torcendo para o time oposto.
Praticar esportes é bom. Assistir competições esportivas também. Mas tenho toda certeza que para a maioria das pessoas "o que importa é participar" não está correta. A versão certinha seria "o que importa é ganhar".
Uma coisa eu aprecio bastante no futebol. É quando o jogo termina. Nossa, como o silêncio é bom!

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

A história das pantufas.


Vou contar um segredo aos quatro ventos: eu tenho um par de pantufas de ursinho. São ursinhos brancos com gravatinha cor-de-rosa. Os meus ursinhos são de dar inveja em qualquer menina de 6 anos... Me foram presenteados por duas grandes amigas (cada uma me deu uma das pantufas).
Tudo começou quando em um belo dia, ou melhor, noite, fui fazer uma viagem interestadual com o coral em que eu cantava, para uma apresentação. Quem já fez essas viagens de ônibus sabe que é bastane frio à noite. E lá pelas tantas as pessoas começaram a se organizar pra dormir. Pra minha surpresa, muitas delas desembolsaram suas pantufas, cada uma mais fofa do que a outra. O zoológico estava inteirinho representado nesses mais do que confortáveis adereços para os pés.
Fiquei com inveja! Admito que sofro desse mal de vez em quando. Mas não foi a inveja má, aquela que quer tomar o bem alheio, mas a inveja menos ruim, a que deseja conquistar por si seu próprio espaço. Minhas amigas que estavam presentes no ônibus perceberam, e meu par de ursinhos foram-me presenteados no aniversário seguinte.
poucos anos depois, sabendo o quão quente eles deixam meus pézinhos friorentos, resolvi não me desfazer deles, mas embarca-los comigo em viagem internacional.
Ah! Como foi bom tê-los comigo no meu primeiro inverno com neve! Neve é muito bonitinha do lado de fora da janela, mas infelizmente temos que viver as nossas vidas e nos atolar nos montes brancos quando temos que sair de casa. Que sensação boa a de chegar em casa, tomar um banho quentinho e sentar na sala com uma roupa bem aconchegante e meus ursinhos nos pés!
Não me importa quantas crianças me peçam meus ursinhos! Vou usá-los até que não possam mais ser reconhecidos de tão desfigurados. Afinal, eles não são apenas fofinhos. São fofinhos, bonitinhos e principalmente beeem quentinhos.



As crianças.

Eu estava ainda a pouco conversando com uma amiga. Ela mora aqui a muitos anos e tinha ído passar uns meses no Brasil, voltou mês passado e até então não tínhamos nos falado. Perguntei como foi a viagem e no meio dos comentários saiu uma indignação pelos meninos malabaristas de sinal de trânsito.
Fico aqui pensando o quão difícil é a vida dessas crianças, que de tanto estarmos acostumados a ver todos os dias, esquecemos que são crianças. No Brasil, vivemos com medo, ao mesmo tempo que com desprezo a esses pequenos, e já ví até gente achando que dar cigarro a uma criança dessas como um ato de caridade. Onde está a aplicação da frase "as crianças são o futuro do país"? Que futuro estamos cultivando?
Lembro-me que quando eu estudava à noite, vinha de ônibus pelas ruas e via aquelas crianças que às nove e tantas da noite ainda não tinham terminado a sua jornada. Pra quem é de Recife, justamente naquela esquina onde fica o Hospital Português, todas as noites eu observava o comportamento daquelas crianças, que na verdade eram (ou ainda são, não sei se alguma providência foi tomada em relação a elas) na verdade escravas de uma senhora gorda que ficava sentada à esquina oposta de onde as crianças trabalhavam.
Tenho certesa que ela escravisava essas crianças pois as vezes algumas das crianças estavam recebendo o jantar que ela servia, e sempre haviam outras com uma expressão miserável, esgotada mesmo ainda no sinal fazendo seus malabarismos e olhando com inveja os que saciavam a sua fome. Posso estar enganada, mas me parecia que o alimento do dia estava condicionado a aquisição de uma cota de doações.
E a gente passa por essas coisas todos os dias, até bate um sentimento de indignação, mas ninguém nunca faz nada e a situação passa a ser normal. Pergunto a quem tem filhos: e se alí estivesse o seu filho? Será que a indiferença da sociedade seria tão grande se essas crianças fossem vistas como os filhos do país?
Quando a gente muda de país, passa a ver as coisas por uma outra perspectiva. Lembro-me que alguns amigos riram por uma carta coletiva que eu enviei, onde eu comentava o quão interessante eu achava que no condomínio onde eu moro as crianças deixam seus brinquedos ao relento, num condomínio sem muros, e os brinquedos sempre estavam lá no outro dia! Havia um carrinho desses que cabe a criança dentro e ela dirige ao estilo Flinstones. Esse carrinho sempre dormia numa posição e acordava em outra. Inúmeras crianças que passavam pelo condomínio faziam uso do tal carrinho vermelho, mas nenhuma delas jamais se apropriou indevidamente do bem alheio. Até tenho saudades dessas observações dos ambientes públicos que eu podia fazer do antigo apartamento no terceiro andar.
Isso é uma coisa que chama bastante atenção quando a gente muda pra cá. E não sou só eu. Hoje uma criança recém chegada do Brasil estava no meu carro e comentou conosco (eu e a mãe) que quando se acha alguma coisa no chão, no Brasil pode pegar, aqui não, tem dono mesmo que não esteja perto. Com tanta inocência ela expressou apenas o tamanho da corrupção na terra natal: não interessa o que aconteceu, a quem pertece, não se dá a menor importância ao bem alheio perdido. Não há o mínimo esforço em se procurar o verdadeiro dono daquele objeto e muito menos simplesmente deixá-lo alí até que o dono refaça seu caminho e reaveja o bem perdido.
Minha mãe sempre me dizia que se a pessoa não consegue ser honesta nas pequenas coisas, não será nas grandes. E o que acontece é que sem perceber a gente acaba ensinando as nossas crianças a serem desonestas, escravizamo-as e nem mesmo nos damos conta de que é nossa responsabilidade tudo o que está acontecendo no Brasil.
Simplesmente é mais fácil culpar o governo.